terça-feira, 19 de maio de 2009

A ARTE MODERNA SEGUNDO BAUDELAIRE por CLAUDEMIR SANTOS

(Este texto foi uma resenha que fiz para a universidade. Como achei bem interessante e a professora Andrea Tavares gostou do resultado, resolvi repartir com todos aqui no nosso blog. Divirtam-se e, depois, leiam o livro!


AS CARACTERÍSTICAS DA ARTE MODERNA, AS ATITUDES DO ARTISTA MODERNO E OS ARTISTAS MODERNOS SEGUNDO O ENSAIO “SOBRE A MODERNIDADE: O PINTOR DA VIDA MODERNA” DE CHARLES BAUDELAIRE



Publicado postumamente em 1869, o texto “Sobre a modernidade: o pintor da vida moderna” de Charles Baudelaire (1821-1867) nos fala sobre o artista moderno em sua época. Um escrito cheio de imagens poéticas que descrevem bem as atitudes do artista diante da vida, da sociedade e da Arte. Usando como Artista Modelo o desenhista, aquarelista e gravador Constantin Guys (1805-1892), Baudelaire vai e vem pela arte e comportamento da época, exaltando e rebaixando ao seu bel prazer os que seguem ou não os conceitos por ele apresentado. Já no inicio de seu ensaio crítico, ele critica os “conhecedores de museu” que param sonhadores diante de Ticiano ou Rafael e ignoram novos “artistas menores” e atuais, achando que entendem de arte. Suas frases descrevem bem seus pensamentos: “Há também pessoas que, por terem outrora lido Bossuet e Racine, acreditam dominar a história da literatura” (7). Baudelaire é seco, sarcástico, inteligente, irônico e dono de uma escrita excepcional.


Baudelaire, ao exaltar Guys, modela o artista ideal em sua época, não é à toa que, em sua conclusão, ao final do ensaio, o autor conclui que Guys “buscou por toda a parte a beleza passageira e fugaz da vida presente” (70) do que se chama (ou chamou) Modernidade. Durante todo o ensaio, Baudelaire exemplificará, através de descrições de obras de artes e atitudes sociais o comportamento, a arte e o pensamento deste marco na história da arte – uma leitura fascinante e indispensável para quem deseja entender de arte sem pender à mediocridade – acreditem; Baudelaire diria isto, se pudesse!

Para nosso crítico, o artista moderno é um “homem do mundo (...) que compreende o mundo e as razões misteriosas e legítimas de todos os seus costumes”(16). Citando Guys, o qual menciona como C G durante o texto, nos revela que o mesmo não gostava de ser chamado de “artista”. Ainda dentro das atitudes do artista moderno, ele cita a curiosidade infantil como fator fundamental, “um gênio para o qual nenhum aspecto da vida é indiferente”.


Um fator característico – e principal – deste artista moderno seria o dandismo. A palavra dândi, segundo Baudelaire “implica na quintessência de caráter e uma compreensão sutil de todo mecanismo moral deste mundo; mas, por outro lado, o dândi aspira à insensibilidade”(19-20).


Descreve o dândi como um ser abastado, luxuoso, um observador nato à procura de algo novo no universo artístico e na sociedade – e por isto, um ocioso entediado. Bem vestido, tendo a multidão como seu universo, senhor de certa renda que permite seu trânsito livre pela vida sem se preocupar com o dinheiro, uma vez que esta preocupação financeira seria uma busca para homens inferiores: o dândi vive do dinheiro e não para o dinheiro. Um vestir diferente, uma elegância notável, um “observador(...)príncipe que frui por toda parte do fato de estar incógnito”(21). Baudelaire ainda cita o nascimento dos dândis no tempo e espaço:


“o dandismo aparece sobretudo nas épocas de transição em que a democracia não se tornou ainda todo-poderosa, em que a aristocracia está apenas parcialmente claudicante e vilipendiada. Na confusão destas épocas, alguns homens sem vínculos de classe, desiludidos, desocupados, mas todos ricos em força interior, podem conceber o projeto de fundar uma nova espécie de aristocracia, tanto mais difícil de destruir pois que baseada nas faculdades mais preciosas, mais indestrutíveis, e nos dons celestes que nem o trabalho nem o dinheiro podem conferir. O dandismo é o último rasgo de heroísmo nas decadências(...)” (51)


Este dândi, de certa forma político e socialmente presente, ainda aparece na obra de Guys, segundo o autor:


“Será que preciso dizer que G, quando desenha um de seus dândis, dá-lhe sempre seu caráter histórico, até mesmo lendário, ousaria dizer, se não se tratasse da época presente e de coisas consideradas geralmente como levianas?” (52)

Outra característica básica do artista moderno, juntamente ao dandismo, seria ser um flâneur (segundo o Dicionário portuguê-francês francê-português do MEC, 1961: FLANEUR, FLANEUSSE: o passeia sem rumo, vadio. FLANER: flanar, vadiar). Mas este artista flaneur tem um objetivo mais elevado que ser um simples vadio, evidentemente. Sua vadiagem está carregada de observação ativa e atenta ao mundo que o cerca, usando seus esforços para tirar do cotidiano o que há de poético. Baudelaire exemplifica e exalta esta atitude com uma frase aplicada à Guys, após discorrer sobre a observação de obras antigas: “começou contemplando a vida e só muito tarde se esforçou para aprender os meios para expressá-la” (29). Baudelaire acredita que, a partir desta observação, do flâneur, o artista moderno conquista sua originalidade. E, por originalidade, na arte moderna, pode-se entender a ambigüidade nas obras; a dualidade – como conseqüência da dualidade do homem; o eterno e o mutável.


Baudelaire deixa explícita a valorização do tempo presente na Arte Moderna: “o prazer que obtemos com a representação do presente deve-se não apenas à beleza de que ele pode estar revestido, mas também à sua qualidade essencial do presente”(08). Este presente diz respeito também a um valor não apenas artístico, mas também histórico, uma obra de arte que contenha a estética e a moral de sua época (09). E, dentro deste pensamento, o autor cita alguns artistas ícones de seu tempo nas artes visuais (além do próprio Guys: Gavarni, Daumier, Maurin, Wattier, Tassaert, Éugene Lami, Trimolet e Traviès) e na literatura (Stendhal e Honoré de Balzac). Boa parte destas citações encontra-se no capítulo dedicado ao croqui de costumes, onde “a representação da vida burguesa e os espetáculos da moda, o meio mais explícito e menos custoso evidentemente é o melhor.”(12)


Devemos lembrar que costumes diz respeito ao momento social que a sociedade vivencia: seus costumes sociais gravados tão bem nas caricaturas de Daumier quanto nos textos de Balzac na Comedia Humana.


O artista segundo Baudelaire segue, solitário e com a imaginação ativa, viajando pelo deserto de homens, em busca da tal modernidade. Ele precisa “tirar da moda o que esta pode conter de poético no histórico, de extrair o eterno do transitório.” (24) O autor critica a tendência dos pintores vestirem seus personagens com roupas antigas, pendendo ao passado. Chama a estes artistas de preguiçosos – aliás, o texto de Baudelaire é agressivo e impiedoso com o artista “antiquado” de sua época: “é muito mais cômodo declarar que tudo é absolutamente feio no vestuário de uma época do que se esforçar por extrair dele a beleza misteriosa que possa conter, por mínima ou tênue que seja” (25) ou “Suprimindo-os, caímos forçosamente no vazio de uma beleza abstrata e indefinível, como a da única mulher antes do primeiro pecado” (25-26). Baudelaire defende que cada época tem seu gesto e seu olhar, acha até certo estudar as obras antiga, mas adverte:

“Ai daquele que estuda no antigo outra coisa que não a arte pura, a lógica e o método geral. De tanto se enfronhar nele (no antigo) perde a memória do presente; abdica do valor dos privilégios fornecidos pela circunstância, pois quase toda a originalidade vem da inscrição que o tempo imprime às novas sensações”.


Baudelaire ainda nos diz que “bons e verdadeiros desenhistas desenham a partir da imagens inscrita no próprio cérebro, e não a partir da natureza” (30). Ou seja, de fora para dentro, a introspecção que faz surgir o trabalho moderno. Descrevendo Guys, ele demonstra duas características a serem observadas na arte moderna: um esforço de memória ressurreicionista, uma memória que evoca a imagem vivenciada pela retina; e um lápis ou pincel em chamas, quase num furor sobre seu suporte, como se o tempo fosse algo precioso demais para ser desperdiçado (32). Finalizando, Baudelaire conclui: “nosso singular artista exprime ao mesmo tempo o gesto e a atitude solene ou grotesca dos seres e sua explosão luminosa no espaço.


“Sobre a modernidade: o pintor da vida moderna” possui treze capítulos onde Baudelaire nos dá uma aula não apenas de história da Arte, como também de observação artística. Retornamos a indicar a leitura do volume a todos aqueles que desejam afinar seu conhecimento e sua visão artística.

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