(Fotos de Renata Teixeira, Grazi "Ella" Bonci e Levi Bianco. Fantásticas, né?!?)
Quando os saraus começaram a rolar no Brasil lá no inicio do romantismo, eram reuniões burguesas onde amigos se encontravam para recitar poemas e cantar canções. Uma festa familiar. Na década de 90, um grupinho de hippies da vila Madalena começaram a realizar como uma forma de ganhar uma graninha e conhecer novos artistas – boa parte deles hippinhos da Madalena, é vero – e era foda ir porque, quando passava da meia noite e o sarau dava no saco, não dava pra fugir porque não havia condução tão cedo.
Suzana Diniz e sua trupe conseguiram fazer um sarau familiar e filantrópico aqui na Leste sábado passado. Familiar porque boa parte das atrações eram componentes de seu grupo artístico e os outros, amigos muito bem chegados. Estes levaram familiares, amigos e amores. Filantrópico porque a tal renda arrecada foi toda para a Instituição Filantrópica Ará Tembayê Tayê. E foi um sarau bem feito, que seguiu uma linha popular desde as canções até as encenações, deixando de fora a arte mais pop que se tem por aí – e que eu adoro. Por fim, como o dia foi longo, vamos seguir o conselho britânico de Jack e vamos por parte.
O INICIO
Chuva do cacete sábado. Chego na oficina vinte minutos depois do horário estipulado. Encontro na porta o pai de Suzana, um baixinho carrancudo nervosinho com meu atraso que nem ajudou a colocar os equipamentos no carro, como se estivesse fazendo um favor em me esperar. Quem me conhece sabe que, entre minhas qualidades não há pontualidade. Mas não o mando tomar no cu. Boto o fone nos ouvidos e vou de rock inglês até a Patriarca sem dizer nada. Cantarolando às vezes pra irritar o moço que até tentou puxar assunto, mas não dei trela.
Chegamos ao EBA, na Patriarca – um espaço bem bacana, quem não conhece vá lá! Desço do carro e, folgadamente, descarrego o carro com o mínimo de coisas possíveis nas mãos – é que ele tava com pressa de ir embora e eu sem pressa alguma. Subo as escadarias do EBA – invejáveis, enormes, intermináveis! – sozinho. Sem ajuda. E sem pressa. Ele no carro se lamenta com Suzana. Diminuo o passo. Escadaria da porra. Sachão só me fode, mesmo. Penso na minha casa. Mas me botaram nesta dança é o jeito. Suzana aparece, sempre gentil e agradável. Deve ter puxado à mãe. Monto o som com boa vontade e agüento as indagas de Ricardo Dutra – músico de mpb, muito bom! – pacientemente. Ele passa o som. Hayashi invejaria aquelas unhas in natura do rapaz, penso eu. Anita Flávia chega. Fico mais feliz. E o sarau começa.
AS ATRAÇÕES
Suzana Diniz conduz a festa com aquele sorriso convidativo no rosto. Uma anfitriã gentil e prestativa, evidencia toda a equipe antes de qualquer coisa e agradece a presença do público que não tem outra forma de agradece à sua gentileza a não ser aplaudindo. A festa inicia-se e as fotos de Renata Teixeira, Levi Bianco e Grasi “Ella” Bonci descrevem bem o talento dos artistas e a satisfação do público. Ricardo Dutra mostrou sua música e propôs a ciranda no quintal da escola; Suzana Diniz, Renato Souza, Gisélia Lima, em suma: a Cia. Clara Rosa levou todos para o universo lúdico da contação de estórias; Thre (eles que escreveram assim!) Boys foi a exceção pop do evento, fazendo um beat Box bem bacana.
Lá pelas tantas, o sarau teve a presença de Paulo Rodrigues, gastrônomo da ATP que filosofou na maionese enquanto preparava um prato de massas. Voltando ao domínio da cultura popular, Ligia Fontes e Giulia D’Angelo treparam – lá eu! – na lira e no tecido e executaram números circenses; depois, a Cia. Cênica Bocós de Mola de Circo, um bando de palhaços literalmente!, executaram alguns clássicos de claques circenses, dando um ar até saudoso para o público que muito se divertiu. J.E. Tico bancou o ventríloquo e tirou risadas de todos os presentes com seu boneco Ezequiel. Antes, porém, uma overdose de contação de histórias denominada “bumbá de histórias” – muito divertido mas longo demais, eles encheram a todos de histórias populares de Malazarte a autores infantis contemporâneos.
Fechando a noite, Sacha Arcanjo acompanhado de Nando Z e Rodrigo (não era Raimundo, caraio?) Marrom, todo raspado (Marrom, não Sacha e muito menos Nando), mandaram aquele bom e velho forrobodó pro povo rala o bucho.
BASTIDORES
Eu e Anita lá nós. Eu de saco cheio e ela lá, me cutucando. Lá ele. Sachão chega com Nando Z. Isto mais de oito da noite. Me oferecem cerveja. Não tô bebendo mas posso xingar. Chega Marrom, todo raspadinho. Ba e Hayashi. Hay encosta do meu lado. Pinga e limão no ar. Fica me acorregindo. Pergunta da mesa. Pergunta disso, pergunta daquilo. Acorrige aquilo lá. Ao menos pensa que acorrege, mas só enche o saco. Não tô bebendo. Pergunta mais. Não resisto!
“Cê tá bêbado, né?” – pergunto. Ele se ofende.
“O, bicho! Tá agressivo, hein! Pra que essa agressividade toda?!?”
Pois é. Duas horas pra terminar o sarau. E a noite prometia ser longa!
Renata Teixeira chegou mais ou menos umas seis horas, acompanha por Fernanda Pires e Levi Branco, um fotógrafo bem humorado e bom de obturador. Grazi havia chegado um pouco antes, vestida a caráter, fez uma representação muito hilária e típica de teatro de rua. Não sabia que ela mandava bem em cena; tô até pensando em chamar por AD em breve. O Marrom que me perdoe, se puder. Mas, pô, sejamos justos, né? Se ele pode fazer arte com Cláudio Oliveira, por que Grazi não pode artear comigo?
Uma hora eu, besta, fui buscar cerveja pra Nando, Hayashi e Sacha, folgados. No caminho, fui interceptado por Suzana Diniz, tresloucada mas, utilizando um pouco de sua lucidez, me indaga:
“Claudemir, me fala que eu sei que você fala na lata. O que você tá achando do sarau?”
“Bacana.”
“Sério?”
“Sério. Tá legal.”
“Meu Deus! Se você gostou, deve tá bom mesmo!” (olha só minha reputação!)
“Você só cometeu um erro.” (olha a cara dela de quem não escapou!)
“Qual?”
“Tentou fechar uma programação. Deixa ao acaso, garota!”
Sorrisos. Conversas pessoais que não vem ao caso aqui. Suzana Diniz é uma velha companheira de estrada e tenho uma grande estima pela menina que antes de admirar o AD, teve que olhar nos olhos de seus componentes e enxergar a arte fluindo, isto em 2000. Muitas histórias boas de serem rememoradas! Depois disso, nos tornamos amigos, daqueles que se preocupam mesmo se você está bem e com o que você está fazendo. Uma artista fantástica e uma amiga excelente.
FIM DE NOITE
Levo Anita até o metrô. A pequena vai embora mais cedo. Volto. Hayashi me oferece um Marlboro. Não tô fumando. Mas fumo assim mermo. Ali, naquele vãozinho, após comentar a descoberta do novo buteco perto de sua casa, conversamos sobre o novo filme do Tarantino e sobre o sarau – a gente é assim mesmo, não tem jeito.
As atrações foram boas e o tempo de sarau, legal. Mas, pra não dizer que não falamos mal de nada – o que seria lá muito esquisito – uma coisa que incomodou – aliás, incomoda! – é aquela pose de (segundo dr. Hayashi) hippie da vila Madalena. Explico: há um certo figurino adotado com cores, desenhos, frases de ordem ou de auto afirmação que soa um tanto artificial e que o povo esbanja, juntamente com chapéus exóticos, rostinho de intelectual da USP e sorrisos ivaneristas. É do tipo de coisa que faz as pessoas pensarem que artista é tudo esquisito mesmo: se veste diferente, fala diferente, ler coisas diferentes, faz sexo de forma diferente, escuta Palavra Cantada e Teatro Mágico e estas babaquices assim – sem falar na liberdade sexual e repulsa às drogas lícitas e ilícitas (“Você fuma? Que horror! Isto vai te matar! Quer açúcar mascavo?). Na verdade, este tipo de atitude me soa artificial e isenta de criatividade. Acredito ser tudo uma fantasia que nem cai tão bem assim. A originalidade vai pra sarjeta e a personalidade se perde naquela música chata e naquela roupa esquisita. Todo mundo nota o sujeito? É claro que sim: quem é que pode ignorar um guarda chuva de frevo aberto bem na cara, mesmo que queira? Mas estilo é estilo, e o preto básico que eu visto também não é lá nada criativo; urubus e papa defuntos usam este visual há tempos. No entanto, peço-vos encarecido que julguem o artista pelo seu trabalho e suas idéias e, em última instância, olhem seu visual. Raramente ele acrescenta algo ao trabalho artístico e, quando isto acontece, podem ter certeza que é muito mais do que um jeans fabricado pra parecer velho.
EPILOGO
De volta pra São Miguel, o horário de verão nos diz que é 2 e meia. Nando, Marrom, Grazi e Sacha correm para o Didi. Eu corro pra casa. Domingo é de dia, como diria Marrom. Missão cumprida. Agora é esperar pra ver o que vem pela frente.
Lá ele!
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EBA – CURSOS DE ARTE
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