quarta-feira, 25 de março de 2009

UM MÊS DE CÃES DANADOS, O LIVRO!

UM MÊS DE CÃES DANADOS, de Moacir Scliar. EU LI! (ou Quando a música nos leva à literatura, e a literatura nos leva à História e, a História, por sua vez, nos leva ao ser humano)

Estava eu na Biblioteca Municipal Raimundo de Menezes, Zona Leste, pleno São Miguel. Durkheim e mitologia grega em mãos. Entro na fileira de estantes e eis que vejo aquela roxa morena de um metro e noventa, mais ou menos. Bela. Os olhos percorrem suas costas procurando aqueles montes salientes – paixão nacional. Melhor que futebol e cerveja. Mas ela não tem. Suspiro revoltado com o senso de humor de Deus, Pai, Todo Poderoso, e ela vira o rosto em minha direção. Faço que não é comigo e olho pra estante e... ele está lá. Preto no vermelho, numa edição surrada de 1977. Bati o olho e a primeira coisa que veio à cabeça foi a frase “Um dia de cão, um mês de cães danados”, da música “descendo a serra”, dos Engenheiros do Hawaii (sexta faixa do lado B, LP Várias Variáveis, BMG, 1991, e eu tenho. Novinho!).
Em primeiro lugar, devo dizer que toda a obra dos Engenheiros – nas letras de Humberto Gessinger – estão repletas de referencias pops, literárias, históricas e cinematográficas. É como ler um mapa com cidades que você já viu e outras que não conhece e precisa visitar para ter um entendimento fiel ao caminho da poesia concreto-progressista de Gessinger. Mas vamos ao livro e seu autor.
Eu já conhecia Scliar de outros carnavais. Minto. Conheço-o de outros natais. Li um conto dele que ocorre no Natal em uma coletânea de contos sobre a tal data festiva. Conto bom. Volta e meia eu cruzo com ele na folha de São Paulo. Encontros casuais. “Um Mês de Cães Danados” me encantou de tal maneira, que desejo em breve ter outro volume do autor em minhas mãos. Narrado em primeira pessoa, temos Mário Picucha (nome fictício do personagem), um mendigo que conta a um turista paulista suas desventuras no interior do Rio Grande do Sul e depois nas ruas de Porto Alegre, tendo em foco existencial o mês de Agosto de 1961, quando Jânio renunciou a presidência. Bem humorado, denso, imprevisível e comovente, o autor nos dá uma visão histórica fascinante: a visão do cidadão comum e apolítico em um universo de ações políticas incorretas. Forte, selvagem, despreparado e desprotegido, Mário nos conduz alucinadamente para um final que jamais abandonará a mente de quem o encontrar. Recomendo a leitura imediatamente!

TRECHO INICIAL DO LIVRO:

“É muito pouco. Isso aí? É muito pouco.

Queres saber da Ema Fugaz? Queres? Então é muito pouco. Queres saber dos bois empalhados? Da tia de Pelotas? Da Carta de Puntal Del Este? Da queda do cruzeiro? Do banco da Província? Do Simca Chambord? Das Cestas de Natal Amaral? Do considerável número de populares bradando viva Jânio? Queres saber de tudo? Querer? Então paga.

Queres saber da vozinha na parede. Queres saber da crise de Berlim. Queres saber dos batelões afundados no Canal do Rio Grande. Queres saber da machine-gun. Queres saber do restaurante universitário. Queres saber do Chevalier Rolland. Queres saber o que aconteceu na praça da Matriz, naqueles dias, há muito tempo.

Queres saber tudo – por uma moeda. Mas vem cá – perdeste a vergonha? (...) Não importa o quanto! Ouviste? (...) Não quero saber de quanto é a tua moeda. O que ela valer será pouco. Já ouviste falar da abóboda de dezoito quilos? Até este dia dezoito, tinhas ouvido falar de semelhante prodígio? Não – não tinhas ouvido falar; portanto, uma moeda é pouco.
Bota mais aí.
Bota um pouco mais, anda.
Bota um pouco mais que eu te conto a história.(...)”

(UM MÊS DE CÃES DANADOS, Moacir Scliar. Porto Alegre, L&PM, 1977)

Um comentário:

Nando Z disse...

Bacana, a desenvoltura da escrita, e o seu comentario sobre humberto gessinger foi "sutil" nem parece o darkney!!! rs! abraço veio