Escrevo canções desde 1989 – ao menos as que eu ainda tenho registro, mas me lembro de canções que eu inventava na infância, e que se perderam no tempo ou no sentido. Sempre me vi envolvido com arte, desde que me entendo por gente. Apesar de ouvir e gostar de todos os estilos musicais, minha vida anda ao som do rock n’ roll – assim como a maioria das canções que eu escrevia antes do G.R.A.V.E.
O G.R.A.V.E. – que eu vi nascer – chegou com uma proposta onde a música – por assim dizer – regional fala mais alto. Participei em conjunto de algumas composições e senti dificuldades de escrever naquele universo agreste. Até escrevi, sofrendo implicações de Hayashi e implicando com ele. Costumo chamar estas músicas de “ilegítimas”: feitas fora do meu casamento com o rock. Ilegítimos, mas nem por isto menos amadas, mas de qualquer forma, um incômodo. Como escrever sobre coisas que eu não vivo? Quando crio um personagem para uma peça ou um conto que seja, é diferente. Nas músicas eu costumo falar de mim, dos meus pensamentos, da minha vida. Mas o G.R.A.V.E. não tem espaço para os meus dramas pessoais. Ali, a história é outra e, para dançar esta nova música, eu tive que aprender a andar novamente. E aprendi.
A aprendizagem se deu em “Nega Jurema” com Eder Fersant e com “Virginia”, ao lado de Nando Z. Só então foi possível criar uma música como “Fuga para o nordeste”. Eu precisava escrever algo para o G.R.A.V.E., que contemplasse as viagens melódicas de Marrom Z, Tarcísio Hayashi, Nando Z e Luizinho Gago Grego e, ao mesmo tempo, tivesse ecos em meu universo musical. Andando pelo centro de São Paulo, no metrô da Paulista, na escala rolante do Trianon Masp, me veio a idéia de alguém rolando escada abaixo. Vi um jovem senhor nordestino até na respiração, temendo aquele bicho que a gente pisava e levava a gente pra baixo. Na sua confusão visível, sorrisos jocosos em faces urbanas. Um irmão meu, ao chegar em São Paulo, também quase rolou na escada rolante. Outro, ao ser algo de gozação em um bar em São Miguel, voltou pra casa, pegou uma peixeira e fez o bar fechar mais cedo. Na selva de pedra, eles agiam como se estivessem na mata. Mas o que diabos vieram fazer aqui? Tentar “vencer na vida”, como eles dizem. Lá, a terra é seca, mas aqui seca são as pessoas. Um dilema e tanto. Por estes tempos, fomos vítimas de despejo. Maior dor e vergonha da minha vida. Durante anos desejei rasgar de faca oficiais de justiça, advogados corruptos ladrões de terra e policiais complacentes. E quase o fiz, de fato, impedido por minha mãe, que até tentou suicídio por estes tempos. Coisas dolorosas que acabaram por dar forma para este nordestino que ama Iara, vem à São Paulo tentar vencer e se torna um lobisomem no asfalto. Em meio a tantos dramas pessoais, nasce a “Fuga para o Nordeste” – uma citação bíblica (Fuga para o Egito, da família sagrada).
Entrego a letra. Hayashi admira a métrica, faz os acertos necessários e junto com Marrom, cria a melodia – e evolui. A música os empolga. Eu ainda nem tenho noção do que escrevi, na verdade. Enquanto vou ouvindo o nascimento da canção, vou caindo em mim onde fui buscar as cenas cantadas. Deus, a música cai como uma luva e chega a doer! Pensei ter superado algumas coisas... E a música representa tão bem a letra que não é possível dizer que uma foi feita antes ou separada da outra. Não, é impossível: a música não podia ser outra. A letra não poderia ter outras palavras. O sofrimento e o drama parece ter valido a pena.
Foi no Camacho que escutei a música por completo pela primeira vez, com toda a dramaticidade e potência que ela oferece. Os olhos marejaram. Há tempos não escrevia assim, há tempos não ouvia algo tão harmonioso com meu universo partindo das mãos de outros. “Fuga para o Nordeste” estava concluída.
Ontem, recebo uma mensagem de Hayashi: “Sua letra foi classificada no festival”. Mas não é isto que eu entendo. O que leio nas entrelinhas é: “Nossa música foi classificada no festival”.
Há uma certa alegria em tudo isto, é claro. O reconhecimento começa a vir de outros lugares que não o nosso meio artístico. As coisas começam a mudar à nossa volta. Já sinto isto há algum tempo – o que me remete à “rendez vous revisitado”, a canção: “Algo está acontecendo!”
E eu, que nunca duvidei de nossa capacidade artística, começo a acreditar que estamos realmente criando nossa própria estrada! E há tanta gente talentosa ao nosso lado!...
sexta-feira, 18 de setembro de 2009
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6 comentários:
A sua capacida musical, bem como a capacidade do G.R.A.VE é sem sombra de dúvidas inquestionável. A maturidade vem com as folhas que caem das árvores a cada outono. A questão não é duvidar da capacidade artistica, mas sim não enxergá-la. E é isso que tá acontecendo agora, pq antes de ter a letra aceita em um festival seus olhos viram além de uma caneta, um papel e algumas palavras, pq não são simplesmente palavras. São histórias, com vida, sentimentos, contratempos.
"Foi no Camacho que escutei a música por completo pela primeira vez, com toda a dramaticidade e potência que ela oferece. Os olhos marejaram. Há tempos não escrevia assim, há tempos não ouvia algo tão harmonioso com meu universo partindo das mãos de outros. “Fuga para o Nordeste” estava concluída."
PARABÉNS!!
É o que me resta.
"There's something happening here and you don't konw what it is, do you Mr. Jones?"
Ao contrário de Jones acho que sabemos sim onde ir. Só que temos que abrir caminho na marra! E acho que assim é mais divertido mesmo.
Não sabia da história por trás (LÁ ELE!) dá música. Acho bom sabermos. A música fica mais na pele agora...
É bom também!!! Vamos botar pra fuder e nem somos camisinha!!!
O engraçado é que eu fui entendo certas coisas depois que escrevi - pra ser mais claro, depois que vi o G.R.A.V.E. tocando. Freud, Jung e Lacan deve explicar estas coisas, eu mesmo não sei muito bem não. Mas foi apenas quando ouvi a música que senti a letra de fato e fui juntando os fatos. Regressão? insight? Ivanerismo? Sei lá, eu sei que a música abriu (lá ele) muitas coisas por aqui. Vai lá, G.R.A.V.E.: bota pra fudê, galera!
Quando O tale Renato Russo mencionou "olha se vc quiser se divertir invente suas proprias cancões" era nada mais que uma boa verdade que nem sei se ele sabia que era tão boa! o barato de ser compositor é que as vezes vc nutre um sentimento incognito nas melodias, pra preencher as harmonias vc escreve automaticamente uma letra mais é tão interpessoal aquilo que qdo vc percebe tem a sua marca a alma toda, as vezes tu compõe pra pessoa ao lado e ela nem percebe, ou outra te mostra uma interpretação do tema que vc nunca ia imaginar mais que faz sentido ai caimos na verdade universal, aquela que ve que cada um tem a sua verdade a sua compreensão(a to bebado pois ninguem me acompanhou no quebra essa semana inté)
PS: GRASI fiquei impressionado com o seu recado é bom além de apenas dietagem inté!
"Lá, a terra é seca, mas aqui seca são as pessoas."
Sem sombra de dúvidas isso é fato!
E quanto aos músicos, parabéns! As coisas estão acontecendo para todos, a todo momento, só nos cabe a percepção e é uma ótima fase de reconhecimento para vocês, nada mais justo! E que venham sempre mais, sempre com grande sintonia e companherismo de todos!
Flor, meu amor, você também faz parte disto, sabia? Desta turma talentosa e fuleira? Parabéns para todos nós!
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